Muito se fala sobre os tempos áureos de Poços de Caldas, principalmente na década de 1930, após a inauguração das Thermas Antônio Carlos, Palace Casino e Palace Hotel. As estâncias balneárias estavam no auge, o cassinismo também.
Mas quem eram as pessoas que desfrutavam desses locais? A elite. Sim, quem tinha dinheiro ou poder, ou os dois. A população ficava à margem dos acontecimentos, dos locais construídos e dos prazeres. Para ela, ficava o fardo de ter de suportar a falta de estrutura, a falta de distrações, a falta de tudo.
Até o carnaval de rua, que era uma das poucas diversões da população, foi censurado no ano de 1932. Não foi permitido certas canções, gestos, algumas fantasias, serpentinas, confetes, máscaras, pinturas, e várias outras coisas normais da festa do carnaval. O resultado: o carnaval da população foi melancólico. Em contrapartida, os bailes de carnaval do Palace Casino ficaram cheios e animados.
A Revista de Poços de Caldas, com a reportagem “Festa de São Benedito”, de 21 de maio de 1939, traz o seguinte texto:
“Aqui em Poços, tudo o que fazemos é para as pessoas de fora, tendo ellas a primasia em tudo – os melhores logares – e nós, os moradores, não passamos de modestos comparsas sempre apagados, sempre na segunda linha. Assim, o Carnaval, em que tudo ou quase tudo é para os outros, ao passo que nós ficamos sempre em uma inferioridade visível. Mas a festa de São Benedicto é a nossa festa, e aqui realizamos com o intuito caseiro, egoístico, de nos divertimos, de termos o nosso passatempo, com conterrâneos, com velhos conhecidos, sem a intromissão de banhistas ou turistas, como querem uns e outros.”
Então, a Festa de São Benedito, popular na cidade, que se realizava desde 1904 (oficialmente, pois estima-se que já era realizada antes disso), era um dos poucos acontecimentos, se não o único, em que a população conseguia se divertir.
Jussara Marrichi, em sua tese de doutorado denominada “Vilegiaturas de prazer e a formação de uma cultura burguesa na cidade de Poços de Caldas entre os anos de 1930 e 1940”, discorre sobre o equilíbrio móvel de tensões a que a população se submetia para suportar este turismo.
“O autocontrole necessário que havia sido imposto neste processo civilizatório do uso das águas e do espaço balneário para que esta cultura burguesa pudesse adequadamente desenvolver suas relações de poder, de convivência, de status social de maneira civilizada, contrapunha-se a esta outra face de um autocontrole que não foi menos doloroso que o primeiro. Em outras palavras, foi também o autocontrole imposto à população local por esta figuração social que garantiu o seu sucesso por um período determinado. Neste jogo ‘específico de dependências recíprocas’ havia um ‘equilíbrio móvel de tensões’”.
Em um vídeo publicado no Instagram e no Facebook (link), eu comento que, o fato de mostrar o apartamento em que Getúlio Vargas se hospedava no Palace Hotel (link), não significa que estou exaltando a figura do ex-presidente. As figuras e os fatos históricos existem, e se queremos pensar no nosso presente e planejar nosso futuro, é de suma importância que conheçamos nosso passado, para não repetirmos os mesmos erros. Estudar o passado, também nos ajuda a entender porque algumas coisas são como são atualmente.
No vídeo, comento também, quantas pessoas anônimas ajudaram a construir a história de Poços de Caldas, como os construtores desses grandes prédios, os funcionários dos hotéis, dos cassinos, e a população, que se viu obrigada a suportar este tipo de turismo exploratório e o descaso da administração pública.
No seu trabalho, Jussara Marrichi aponta também que, a proibição dos jogos de azar não foi o principal motivo para a decadência da cidade. Ela diz que, a elite desejava novas vivências, novas descobertas, desejava eleger um novo lugar para o seu encontro. “A cidade já vinha sofrendo pelo menos desde o final da década de trinta de uma baixa frequência de hospedagem ocasionada por novos desejos em transformação da elite brasileira envolvida no processo de civilização.”
Sua afirmação só confirma o que vemos, analisando a linha do tempo do turismo. Um exemplo, é que na década de 1960, Poços de Caldas era o destino preferido dos casais em lua de mel. Atualmente, as praias nordestinas têm tido a predileção dos pombinhos. Por moda, ou como tendência natural, as preferências mudam.
Ela finaliza dizendo que “a cultura burguesa que havia nascido a partir do imaginário da cidade balneária no Brasil foi, portanto, filha de uma figuração social que se por um lado já não é mais a nossa, por outro, nos ajuda a entender pelo menos alguns dos comportamentos e emoções que vivenciamos hoje em dia.”
Dentro desta perspectiva, eu pergunto. Qual é o turismo que queremos hoje? Um turismo que acultura, leva violência, prostituição, drogas, destrói ecossistemas, que polui, que exclui a população, que explora pessoas e animais? Certamente sua resposta será não. Mas há muito a se trabalhar para um turismo verdadeiramente sustentável e responsável. Mas isso será tema de outra publicação! Até lá!
Talitha Castro
Sou Administradora e Guia de Turismo, nascida em Poços de Caldas, Minas Gerais e, apaixonada pela exuberância natural, cultural e patrimonial da região.
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